História da Observação das Manchas Solares


Não foi Galileu quem observou pela primeira vez as manchas solares, nem sequer podemos afirmar que tenha sido o primeiro a faze-lo por meio de um telescópio. Na verdade não é necessário nenhúm sistema óptico para observar manchas quando estas são suficientemente grandes. Eu mesmo o comprovei uma tarde de julho, olhando diretamente em direção ao Sol enquanto se aproximava ao horizonte num céu escurecido por causa da fumaça das queimadas dos resíduos das colheitas da cana de açúcar muito comuns no interior do Estado de São Paulo (Brasil).

Galileu segundo Justus Sustermans, 1636. Wikipedia Commons
Os chineses parecem ter sido os primeiros a deixar registro da observação de manchas sobre o Sol, em volta de 800 AC. Depois, igual a eu, o astrônomo grego Metão 400 anos antes do nascimento de Cristo, enquanto observava diariamente a posição do pôr do Sol, advertiu a presença de manchas sobre sua superfície. Durante os 20 anos de observação Metão concluiu que quando estava manchado, o tempo parecia ser mais úmido e chuvoso, no que poderia ser considerada a primeira tentativa por estabelecer o clima espacial. Nos siguentes 2.000 anos, até que o Galileu usara seu telescópio, outras testemunhas relataram ter visto manchas na superfície do Sol, embora muitas vezes as atribuíam a trânsitos de Mercúrio.

Contemporâneo de Galileu, Thomas Harriot de Petworth (Inglaterra), observou manchas solares com seu telescópio em dezembro de 1610. Na Alemanha Johann Fabricus (filho do famoso astrônomo David Fabricus) também observou as manchas em 1611 e publicou um breve relatório que chamou "Sobre as Manchas nas observações solares". Por último, o padre jesuita Christopher Scheiner, também se atribuiu a descoberta. Então Galileu, Harriot, Scheiner e Fabricus disputaram o pioneirismo de ser os primeiros físicos solares.

Sucessão de manchas passando sobre a superificie do Sol. Pode se apreciar como mudam de forma, se juntam, se separan e dividem. Isto é o que Galiléu viu com o seu pequeno telescópio. O movimento aparente (esquerda para direita) das manchas é debido à rotação do Sol. Ir do extremo (limbo) esquerdo (leste) do Sol para o direito (oeste) leva aproximadamente 14 dias. (Animação criada a partir de imagens do telescópio MDI a bordo da missão SoHO)


Por qué então Galileu é o mais lembrado dos quatro? O pequeno relatório de Fabricus, de apenas 22 páginas, considerava as manchas como objetos na superfície do Sol, em contraposição daqueles que supunham que eram algúm tipo de núvem entre a Terra e o Sol. Infelizmente este relatório se perdeu sem que tivesse repercussão nenhuma. Por volta de 1611 Scheiner começou uma cruzada intelectual defendendo a pureza do Sol, retornando à visão aristotélica. Galileu respondeu o seguinte:

As manchas escuras, que são vistas com telescópios sobre o disco do Sol, não estão muito distantes dele, mas são contiguas a ele, ou estão separadas por um intervalo tão pequeno que é imperceptível. Mais ainda, elas não são estrelas nem outro corpo sólido de longa duração, porque continuamente algumas são produzidas e outras se disolvem; algumas são de curta duração de 1, 2 ou 3 dias, e outras são de maior duração de 10 a 15 dias, e eu creio que outras duram 30 a 40 dias ou ainda mais. Elas têm maiormente formas irregulares e cambiam sua forma continuamente, algumas com mudanças rápidas e grandes, outras com mudanças graduais e de menor variação; ainda mais, elas aumentam e diminuem em densidade, algumas parecem condensar e em outros momentos parecem ficar rarefeitas e se difundir, e além de mudar a formas diversas, podem ser vistas se dividir em três ou quatro, e frequentemente muitas se unem em uma, o que acontece mais próximo da circunferência do disco solar que próximo do meio. Além deste movimento irregular de união, separação, condensação e câmbio de forma, elas têm um movimento máximo, comúm e universal com o qual, uniformemente e em linhas paralelas, se movimentam sobre o corpo do Sol; das peculiaridades deste movimento podemos saber, primeiro, que o Sol é absolutamente esférico, segundo, que o Sol gira em torno de seu centro transportando as manchas com ele em círculos paralelos e completando sua revolução em um mês lunar aproximadamente, com uma revolução similar à das órbitas dos planetas, quer dizer, de leste para o oeste. Mais ainda, devemos notar que a maioria das manchas acontecem sempre na mesma região ou zona do corpo solar, compreendida entre dois círculos correspondendo àqueles que incluem as declinações dos planetas, e além destes limites até agora nem uma mancha foi observada, mas unicamente dentro destes confins, assim que nem para o Norte nem para o Sul parecem se afastar do grande círculo de rotação do Sol além de 28° a 29°. O fato de vê-las se movimentar a todas juntas com um movimento comúm e universal é um argumento seguro de que este movimento pode ter apenas uma causa comúm e não que cada uma delas vai em torno do corpo solar como um pequeno planeta a diferentes distâncias e em diferentes círculos. Logo, devemos concluir necessariamente que todas elas estão numa única esfera e como as estrelas são transportadas ao redor do Sol, ou que elas estão no corpo do Sol que gira em torno de si próprio e as arrasta. Das duas suposições a segunda me parece a mim que é a verdadeira e a outra falsa. (Tradução minha do inglês, em "The Role of the Sun in Climate Change", D.V. Hoyt & K. H. Schatten, Oxford University Press, 1997. p 17-18)
Na cita anterior encontramos uma descrição extremamente correta do comportamento das manchas solares, incluindo a duração e as transformações que sofrem ao longo de sua existência. As conclusões de Galileu são, por outra parte, completamente corretas. Embora ná época não muitos acreditaram na sua posição, hoje o reconhecemos como um pioneiro. Por esse motivo, seguramente, seu trabalho é o que vingou.

Evolução do Campo Magnético fotosférico sobre uma região ativa. Esta animação foi criada usando magnetogramas, imagens do campo magnético, sobre a superficie solar. As cores claras indicam regiões de polaridade positiva, enquanto que cores escuras representam campos negativos. Nas manchas solares o campo magnético é centenas de vezes mais intenso que no resto da superficie. Vemos também que ao longo de vários dias, a configuração magnética cambia de forma, aparecem e somem regiões de diferentes polaridades. As manchas seguem uma evolução parecida, e isso é o que relata Galiléu no texto. (Animação cedida pela Dra. Cristina Mandrini, criada apartir de imagens do telescópio MDI abordo da missão SoHO)


Bibliografia
"The Role of the Sun in Climate Change", D.V. Hoyt & K. H. Schatten, Oxford University Press, 1997.
"The Galileo Project" (en 29/11/2009)

Guillermo Giménez de Castro, sob Licença Creative Commons. Última revisão: 21/08/2011


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Desenho e Arte: José Martín Torres e Guadalupe Torres.