O Sol e suas tempestades


Indice
O calmo Sol
O ciclo solar
A Atmosfera solar
Tempestades, explosões e ejeções
Influência da Atividade Solar na Terra: Clima Espacial

O calmo Sol

O Sol é uma estrela. Não devemos esquecer isto no momento de estuda-lo. Sua proximidade nos fez pensar por séculos que se tratava de um objeto único. Todas as sociedades antigas tiveram alguna forma de adoração solar porque reconheciam que era a fonte de energia, bem-estar e alimentação. E não se enganavam. Por isso resulta um pouco decepcionante a forma em que a contemporaneidade, de certa maneira, deu de costas para ele. De ser o centro do Universo passou a ser um objeto mais na paisagem.

Fazendo números, no Sol se concentra mais de 99% de toda a matéria do Sistema Solar. Irradia 3,846 x 1026 W de energia, quantidade impensável, incomparável com qualquer parâmetro humano. Supondo que o arsenal de bombas nucleares remanescente é de 10.000 Mega-Tons (equivalentes a 1019 J) significa que a cada segundo o Sol libera a energía de 10 milhões de arsenais nucleares terrestres! A cada segundo...

Toda a energia que usamos na Terra vem de forma direta ou indireta, da energia liberada pelo Sol. Os combustíveis fósseis, que representam a forma mais importante de geração de energia atualmente, são produtos derivados da fotossíntese, processo que usa a energia solar. Seria muito conveniente desde todo ponto de vista que pudéssemos captar a energia do Sol de forma direta para o nosso uso. Mas até agora não se encontrou uma forma eficiente de fazê-lo.

Nosso Sol é uma estrela comum, foi dito. Em termos espectrais é classificado como G2V, uma estrela anã da seqüência principal. A 10 pc de distância seria uma estrela fraca, dificilmente perceptível nas luminosas noites de nossas cidades modernas. De ser uma estrela única, passou a ser medíocre, uma mais entre muitas outras. Hoje estamos redescobrindo que talvez o Sol seja, dentro de sua classe, uma exceção. Em qualquer caso, a mediocridade do Sol lhe permitiu ser uma estrela muito estável em sua história de mais de quatro bilhões e meio de anos. Não significa isso que sempre foi igual (por exemplo quando entrou na seqüência principal emitia 30% mais de energia que agora) mas as mudanças não foram violentas, o que favoreceu seguramente a evolução da vida na Terra.

Tanta regularidade levou a acreditar que o Sol não sofria mudanças e era portanto imaculado como o resto dos objetos celestes. A visão aristotélica de um céu imaterial, ou melhor, formado por uma matéria inexistente na Terra, a quintessencia, se prolongou por quase dois mil anos. Por volta de 1607 um sistema de lentes engenhosamente colocados dentro de um tubo, desenvolvido por três holandeses (Hans Lippershey, Zacharias Janssen e Jacob Metius) permitiu aumentar o tamanho aparente dos objetos distantes. Dois anos depois, o sábio Galileu Galilei, (1564 - 1642) natural de Pisa embora radicado nesse momento em Pádua, melhorou o sistema e apontou para os astros inaugurando a era astronômica moderna. Na primavera de 1610 observou o Sol (para isso projetou a imagem sobre uma tela branca) e apresentou suas descobertas a uns incrédulos homens de fé e outros letrados, dentre eles o Padre Fulgenzio Micanzio. Para surpresa dos presentes o Sol não era imaculado, pelo contrário mostrava manchas, pequenas áreas escuras com formas mais ou menos circulares, distribuidas em grupos. Embora existem evidências de que outras pessoas já tinham observado as manchas solares, o fato de que agora se tratara de Galileu, no centro da Igreja Católica, e que estas observações pudessem se fazer de maneira rotineira, deram ao descobrimento uma transcendência única. Os céus não eram puros. Poucos meses depois Galileu iria morar em Florença, ou, mais corretamente em Arcetri de onde continuaria a observar o Sol dia após dia levantando uma estatística das manchas solares, uma atividade de grande transcendência, como veremos depois. A imagem abaixo a esquerda é um desenho de punho de Galileu, a partir de uma observação realizada em junho de 1613. Depois do telescópio, nunca mais os céus voltariam a ser o que foram. As manchas solares continuam sendo objeto de análise, como mostra a foto abaixo a direita obtida com o moderníssimo telescópio Swedish Solar Telescope.

Esquerda. Desenho realizado por Galileu mostrando as manchas sobre a superfície do Sol, extraido de The Galileo Project". Direita. Foto de manchas solares observadas com filtro Hα com o telescópio solar sueco.


O ciclo solar
Apesar da excitação pela descoberta de manchas no Sol, pouco tempo depois, as observações rotineiras começaram a diminuir. Até o Galileu perdeu o interesse e as abandonou pouco depois de 1613. Ao mesmo tempo o Sol começou a dar mostras de cansaço e deixou de apresentar manchas na mesma quantidade das primeiras observações galileanas. Com esporádicos observadores e esporádicas aparições de manchas transcorreu o século XVII. Na alvorada do seguinte século, em 27 de dezembro de 1705, Stephen Gray de Canterbury (RU), observou um flash de luz perto de uma mancha no que seria o primeiro registro de uma fulguração (também chamada explosão solar, e em inglês flare). No entanto só em 1859 se daria suficiente importância ao fenômeno. Aos poucos as manchas foram retornando ao Sol e assim também seus observadores. Junto com elas os investigadores começaram a buscar:
  1. Periodicidade na aparição das manchas
  2. Vínculo com outros fenômenos, principalmente terrestres
Não foi fácil o primeiro, tivemos de esperar até bem entrado o século XIX, quando o alemão Heinrich Schwabe, nascido em Dessau, descobriu que o número de manchas na superfície do Sol varia com um periodo de 10 anos. Ele precisou 17 anos de observações acuradas, entre 1826 e 1843, e uma busca nos relatos de anteriores observadores, para chegar a esta conclusão. Isto porque não é um fenômeno tão óbvio como poderia parecer. As manchas aparecem em grupos, e é difícil contá-las dentro destes grupos. Por isso foi importante que o suiço Rudolf Wolf, nascido em Zürich, também observador do Sol por décadas, definisse um índice conhecico como Índice de Manchas Solares, de Wolf ou de Zürich (En inglês é chamado de sunspot number e muitas vezes traduzido como número de manchas o que confunde) Para achar o valor do índice SN se aplica a seguinte fórmula:

SN = (10 G + N) x k     ,


onde G é o número de grupos de manchas e N é o número de manchas individuais. O fator k se utiliza para padronizar as observações de diferentes observatórios. O fato de multiplicar por 10 o número de grupos ajuda a ver a variação do número de manchas e essa foi a grande contribuição de Wolf. Também ele percebeu que o valor médio do ciclo é de 11,11 anos, corrigindo a primeira estimativa de Schwabe, e que há ciclos com duração de 7 e outros de 14 anos.
Índice de manchas solares ou de Wolf SN em função do tempo incluindo as observações de Galileu até março de 2009.


Com a descoberta de Schwabe começou-se a falar em Ciclo Solar (ou de Schwabe). No século XX George Ellery Hale mostraria que nas manchas solares o campo magnético é centenas de vezes maior que o campo médio do Sol, comprovou-se também que o campo global do Sol se inverte com cada ciclo solar, ou seja que em dois ciclos o pólo norte magnético volta a coincidir com o pólo norte geográfico. Quer dizer que o ciclo magnético tem o dobro de duração que o ciclo de manchas ou de Schwabe.

Ao mesmo tempo que se descobria o ciclo solar, também perceberam os cientistas que quando aumentava o número de manchas, também aumentava a aparição de auroras polares. Isto foi uma indicação de que existe uma conexão entre a atividade solar e fenômenos atmosféricos terrestres. Na minha experiência pessoal posso dizer que foi numa aula de Economia Política, durante o último ano do colegial, quando escutei falar sobre este tema pela primeira vez. O professor mencionou o célebre tratado do economista escocês Adam Smith, A Riqueza das Nações (1776), quem comenta que o preço do trigo aumenta e diminui num ciclo de 11 anos produzido pelas variações da atividade solar que melhora ou piora a agricultura. Quem apresentou por primeira vez esta ideia foi Wilhelm Herschel (1738 - 1822), astrônomo alemão trabalhando em Inglaterra. Muitos anos depois encontrei alguns trabalhos tentando demonstrar esta relação que, de forma alguma é evidente.

No entanto, existe um fato que deve chamar nossa atenção. Olhando o gráfico do índice de manchas, registram-se valores muito pequenos entre 1640 e 1715. Este fato, que comentamos ao começo deste capítulo, é conhecido como Mínimo de Maunder, uma homenagem a Annie e Walter Maunder, astrônomos ingleses embora quem originalmente o percebeu foi o astrônomo alemão Gustav Spörer. Este período coincide parcialmente com a chamada Pequena Idade de Gelo quando as temperaturas globais cairam até 0,8 °C e convertiu os invernos da Europa nos mais frios dos últimos séculos, incluindo o congelamento de rios como o Sena em Paris e o Tamisa em Londres. No gráfico abaixo vemos várias reconstruções da temperatura global no passado recente. Chamamos a atenção para a variação negativa no período entre 1500 e 1800 aproximadamente.

Reconstruções da temperatura global no passado recente. Observar a variação negativa de até 0,8 °C coincidente com o Mínimo de Maunder. A explicação completa desta figura incluindo a origem dos dados está em Wikipedia Commons


A Atmosfera solar
Parece um pouco estranho falar em atmosfera quando sabemos que o Sol é puro gás. Ao final de contas a palavra atmosfera significa esfera de vapor ou ar. No entanto podemos generalizar a expressão e pensar que atmosfera refere-se àquela camada que pode ser atravessada pela luz. E isso é o que acontece na atmosfera solar, a luz passa através dela e podemos ver os detalhes e estuturas. A medida que entramos nela, chegamos a um lugar cuja luz é completamente absorvida, desde ali, para o centro do Sol falamos em interior e sua composição e estrutura são apenas conhecidos por meio de técnicas indiretas como a helioseismologia. Na figura abaixo vemos as três zonas em que se divide o interior solar: o núcleo, onde acontecem as reações termonucleares que são a fonte da energia do Sol, a radiativa e por último a convectiva.

Diagrama da estrutura solar. (1) Núcleo, (2) Zona Radiativa, (3) Zona Convectiva, (4) Fotosfera, (5) Cromosfera, (6) Coroa. (De Wikimedia Commons sob licença Creative Commons 3.0)


Fotosfera

A energia criada no núcleo percorre um longo trajeto até chegar à superfície. Podemos estimar o tempo que precisa para sair à superfície em 1011 segundos ou seja, varios milhares de anos. Ali, numa fina camada de 500 km de espessura, é produzida a luz branca que chega até nós e é portanto a região que vemos ao olhar sem utilizar filtros ou detectores fora da faixa visível por nossos olhos. Esta camada recebe o nome de Fotosfera, em sua base a temperatura é de aproximadamente 8.000 K, e decai até os 4.500 K. Duas estruturas destacam-se nela, as manchas, das que falamos tanto já e os grânulos.

Os grânulos são uma manifestação da Zona Convectiva, são pequenas regiões brilhantes com contornos escuros, muitas vezes interligadas entre si. Foram observados pela primeira vez por Wilhelm Herschel, James Nasmyth e Angelo Secchi no século XIX.
Animação criada a partir de fotografias tomadas com o telescópio solar sueco (SST). No centro, as partes mais escuras formam a umbra da mancha. A partir das bordas da umbra saem filamentos estendidos, esta região é chamada penumbra. Umbra e penumbra formam uma mancha solar. Externamente têm regiões brilhantes cercadas de contornos menos brilhantes, os grânulos. Pode-se ver como os grânulos vão evoluindo no tempo.


A distância média entre centros de grânulos contiguos é de aproximadamente 1.400 km, no entanto o diâmetro pode ser significativamente menor, em torno de 140 km. Por outro lado, a granulação é um processo não estacionário, isto quer dizer que suas médias temporais não são constantes. A maioria dos grânulos se forma do material de outros grânulos mais velhos. No centro costuma aparecer uma mancha escura que posteriormente se conecta ao contorno intergranular. Os grânulos se dividem em vários fragmentos que podem desaparecer ou crescer formando novos grânulos e com uma vida média que pode ser tão breve quanto alguns segundos e tão longa como 30 minutos com uma média de 6 minutos. A granulação é um efeito da convecção que tem lugar nas camadas internas do Sol, um processo que basicamente acontece porque o interior é mais quente, o gás aumenta sua temperatura e diminui sua densidade, o que o faz se elevar, as camadas superiores são mais frias, e ali o gás esfria, aumenta sua densidade e cai no interior, repetindo o processo novamente. Os grânulos são as células convectivas por onde sobe o gás quente, enquanto seu contorno mais escuro é por onde desce. Foram medidas velocidades de até 1 km s-1, enquanto que modelos prevêem velocidades de até 1,6 km s-1. Por outra parte, um excesso de pressão ao centro do grânulo e sobre a região do contorno, consegue produzir um movimento horizontal que pára na borda. Como consequência, o centro, por onde sobe o material, é desacelerado, enquanto que a borda, por onde o material desce, é acelerado. Isto provoca, depois de um certo tempo, que menos material quente suba pelo centro da célula, tornando-se escura e finalmente desaparecendo.

Estruturas maiores foram observadas. São as chamadas mesogranulação, supergranulação e até a granulação gigante. No primeiro caso trata-se de células de tamanho aproximado de 7.000 km e velocidades de 400 m s-1. A supergranulação está formada por células de 16.000 km de diâmetro separadas por uns 30.000 km com velocidades horizontais de até 400 m s-1. Por último existem evidências de uma granulação gigante, estruturas com tamanhos de 105 km, ou seja que ocupam uma parte consideravel da superfície solar e velocidade de uns 50 m s-1. No entanto a observação destas últimas é bastante difícil porque deve primeiro ser substraido o movimento de rotação diferencial do Sol, da supergranulação e outras oscilações da superfície solar (modos p).

De forma geral, as distintas estruturas granulares observadas sobre a Fotosfera, permitem conhecer de forma indireta a Região Convectiva, que é onde se originam: quanto maior a estrutura mais fundo no interior são criadas.

As Manchas são, de forma resumida, os locais onde asoma um tubo magnético embebido no plasma solar. Uma modelização disto pode se ver na animacão abaixo. A característica principal é sua cor escura, causada por uma temperatura inferior a de seu ambiente. Como mostramos na animacão anterior, as manchas podem ter uma região externa semi-clara, chamada de penumbra, embora isto não acontece sempre. Mais ainda, normalmente as manchas nascem sem penumbra, e podem evoluir até adquirir uma. E, como se vê na animação, as manchas podem ter pontos brilhantes na região central mais escura. Tudo isto revela que uma mancha longe está de ser uma estrutura simples sendo altamente inomogênea. Além do mais as manchas normalmente nascem em grupo, dentro do qual existem duas manchas de maior tamanho, numa disposição quase paralela ao equador. A mancha que está na frente (em relacão à rotacão solar) é chamada de precedente (p), enquanto que a que está por detrás é a seguidora (s). p e s têm polaridades contrárias resultado de serem os pontos onde emerge o tubo magnético. Por outro lado, a orientação é contrária entre hemisférios, quer dizer, se p é positiva e s é negativa no hemisfério norte, p é negativa e s é positiva no hemisfério sul. Esta disposição é conservada ao longo de um ciclo solar, no ciclo seguinte as polaridades se invertem. As manchas se localizam sempre nas faixas ±(5 - 35)° com uma evolução temporal que faz com que no início do ciclo estejam mais afastadas do Equador, e lentamente se desloquem para latitudes menores. Quando a latitude das manchas em função do tempo é graficada aparece um padrão conhecido como Diagrama Borboleta. Por outra parte não existem manchas com polaridades cruzando o Equador.
Animação que esquematiza as manchas solares. Os tubos magnéticos são produzidos por fontes aproximadamente bi-polares e emergem desde a Zona Convectiva. Os locais de onde emergem os tubos (ou arcos) magnéticos se formam as manchas. Por este motivo as manchas têm um de cada sinal. (Animacão criada pela equipe de divulgacão do satélite SoHO.)


As manchas podem ter tamanhos muito variáveis, temperaturas entre 3400 K e 5000 K e campos magnéticos entre 0,3 e 0,4 T. Outra característica muito importante é que aparecem rebaixadas na fotósfera, como uma depressão da superfície. Este fato já foi notado pelo astrônomo escocês Alexander Wilson (1714 - 1786) no ano de 1769 quando percebeu que nas manchas a zona penumbral mais próxima do limbo parece ter maior extensão que aquela mais afastada. Por modelos atmosféricos foi determinado que esta depressão é de aproximadamente 500 km aproximadamente e acontece porque a opacidade é reduzida dentro de uma mancha e assim vemos mais fundo; também diminui a temperatura. Lembrem que o Sol é puro gás, e por isso os limites de suas regiões são sempre muito variáveis.

Qual é o motivo que faz com que tubos de campo magnético aflorem na superfície? Qual é a relação entre este fenômeno e o ciclo solar? Há muito sabemos já que o Sol possui uma rotação diferencial. Isto significa que o equador tem uma velocidade angular maior que os pólos. A rotação diferencial acontece apenas a partir da Zona Convectiva, para dentro o Sol gira como um sólido rígido. A causa desta rotacão diferencial é o movimento de convecção, unido ao de rotação, que cria uma força de Corilis que desvia o movimento de ascenso e assim o intercâmbio de calor. Surge então, uma pequena diferença de temperatura entre as latitudes maiores e menores que resulta em movimento de matéria que altera a velocidade angular local. A rotação diferencial faz com que as linhas de campo magnético, originalmente bipolares, entortem, aparecendo linhas paralelas ao equador e finalmente movimentos instáveis que acabam fazendo emerger arcos magnéticos. A animação abaixo ilustra o modelo recém descrito.
Animação que representa a evolução do campo magnético solar global. No início do ciclo o campo é bipolar, as linhas de campo saem principalmente pelos pólos. Por culpa da rotação diferencial, as linhas começam a se inclinar, criando componentes toroidais, de intensidade cada vez maior. Eventualmente algumas destas componentes saem à superfície gerando arcos coronais e manchas solares. (Animação criada pela equipe do satélite SoHO.)

O processo leva 11 anos, o que gera uma inversão do campo magnético. Ou seja, a cada 11 anos se organiza um campo bipolar e a cada 22 anos as polaridades são reestabelecidas. Por esse motivo, enquanto o ciclo de atividade solar ou Ciclo de Schwabe dura 11 anos o ciclo magnético é de 22 anos. Quando falamos em 11 ou 22 anos é em valores médios, porque a duração de um ciclo pode ser de até 14 anos e tão breve quanto 9 anos. As razões da variação do ciclo são ainda completamente desconhecidas. Mais ainda, as variações parecem ser puramente aleatórias e existem casos patológicos, como o chamado mínimo de Maunder, periodo entre 1645 e 1715 em que quase não houveram manchas. Conhecemos também períodos de extraordinária atividade, de fato tudo indica que por volta de 1957 tivemos o maior pico de atividade dos últimos 10.000 anos. Por enquanto são muitas as incógnitas porque o modelo de campo magnético solar é muito rudimentar e precisaremos mais de 100 anos para produzir um suficientemente preciso, se a evolução da capacidade numérica dos computadores segue respeitando a Lei de Moore.

Cromosfera

Se a Fotosfera parecia homogênea e descobrimos que não é assim, a Cromosfera (e as camadas que estão por cima desta) contém ainda mais elementos variáveis dentro dela, ao ponto de nos fazer duvidar da correção do uso da palavra esfera em seu nome. Esta camada emite muito pouca energia no contínuo de luz branca, por esse motivo não é observada a olho nu, no entanto a emissão atómica para determinadas freqüências, pode ser muito mais intensa que a produzida pela Fotosfera. Por esse motivo, para observar a Cromosfera se utilizam filtros que apenas transmitem as freqüências destas linhas atómicas.
Fotografia de um eclipse solar de 11 de agosto de 1999 observado na França. A Lua cobre de forma precisa o disco solar, dessa forma podemos observar a emissão mais tênue das camadas superiores, como a Cromosfera (manchas vermelhas) e a Coroa (luz branca difusa). Autor da fotografia: Luc Viatour.

A Cromosfera é conhecida desde a antiguidade, seu nome significa esfera de cor, e é observada durante eclipses solares. Quando a Lua cobre completamente o disco solar, nas bordas pode se ver um arco de cor vermelha (ver foto acima). Os astrônomos antigos consideraram corretamente que o arco se extenderia sobre toda a superfície do Sol. Mas foram necessários mais de 2.000 anos até sermos capazes de construir filtros óticos capazes de deixar uma estreitíssima janela que deixa passar apenas uma cor determinada. Estes filtros, junto com um telescópio e uma câmera fotográfica foram os primeiros recursos usados para estudar a Cromosfera durante a segunda metade do século XIX. Abaixo vemos uma fotografia com filtro centrado na linha espectral cromosférica mais conspícua, chamada e de comprimento de onda igual a 656,3 nm, foi observada pela primeira vez no Sol pelo astrônomo alemão
Joseph von Fraunhofer e denominada por ele com a letra C.
Fotografia do Sol usando um filtro centrado na linha (656,3 nm) produzida maiormente na Cromosfera. Observa-se grande quantidade de estruturas diferentes, como filamentos, manchas, plages e proeminências. Foto obtida pelo Telescópio de Big Bear em 2 de Novembro de 2001.


Na Cromosfera acontecem dois fenômenos muito importantes. O primeiro é um aumento da temperatura. Vimos que na Fotosfera a temperatura diminui a medida que se afasta da superfície, no entanto em um ponto esta tendência se inverte. O mínimo de temperatura (4.200 K) indica o início da Cromosfera que se extende até atingir uma temperatura próxima aos 8.000 K. Todo isto em uma espessura de 2.000 km, muito estreita em comparação ao tamanho do Sol. O segundo fenômeno importante na Cromosfera são as espículas, que podemos descrever como dardos de gás de 10.000 K de temperatura e velocidade de 25 km s-1 com tamanho de até 5.000 km. As espículas representam vários problemas teóricos: 1) não sabemos como são aceleradas, 2) qualquer que seja o mecanismo de aceleração, este deve continuar atuando durante seu deslocamento (uma trajetória balística não pode explicar a altura que atingem) e 3) a quantidade de matéria ejetada pelas espículas é superior a expulsa pelo vento solar, quer dizer, de alguma maneira parte da matéria tem que retornar, embora este movimento de descenso não foi observado até hoje.

Coroa

A fotografia do eclipse acima mostra em toda sua grandeza a Coroa, última camada da atmosfera solar e também a mais extensa. A rigor pode-se pensar a Coroa como extendendo-se até o fim do Sistema Solar. No entanto por sua baixa densidade emite uma luz branca muito ténue que é difícil de se observar a olho nu. Quando acontece um eclipse, o disco lunar cobre a maior parte da emissão fotosférica, e por isso podemos ver a Coroa. A característica mais importante desta camada é a sua temperatura equivalente a varios milhões de gráus. O mecanismo que mantém a Coroa a esta altíssima temperatura é ainda desconhecido apesar de que várias teorias foram propostas. É um dos mistérios cuja solução é mais desejada e para cuja busca múltiplos instrumentos foram projetados. Esta alta temperatura cria condições para a emissão de Raios-X e Ultra Violeta (UV), muito mais intensos que os emitidos pelas camadas inferiores e por esse motivo não devemos esperar eclipses para observá-los. No entanto para detectá-los devemos colocar telescópios no espaço exterior, porque a atmosfera terrestre os absorve quase totalmente. Outra forma de observar a Coroa é provocando um eclipse. Para isto constroem-se telescópios óticos aos que se lhes coloca um disco do tamanho aproximado do Sol, sendo chamados de coronógrafos. Os coronógrafos, porém, não conseguem reproduzir exatamente o efeito da Lua. O disco de obstáculo deve ser construído com um raio maior que o Sol, para evitar problemas óticos. Em geral, o disco tem pelo menos dois raios solares. Exemplos de observações espaciais e com coronógrafo, abaixo.
Esquerda: Detalhe de uma Região Ativa observada em Raios-X mole por meio de um satélite da série GOES. Direita: a mesma região ativa, observada no UV pelo satélite Trace. As cores são fictícias.
Fotografia do Sol em luz branca obtida por meio do coronógrafo abordo do satélite SoHO. A circunferência branca no centro representa o disco solar. O disco azul é o obstáculo colocado frente ao telescópio. As flâmulas brancas são material abandonando a superfície do Sol. Os dois sulcos brancos, em posição quase vertical abaixo a direita da foto, são cometas, provavelmente caindo ao Sol. Este Coronógrafo se tornou, sem ter sido projetados para isso, em um excelente caçador de cometas.


As observações das caudas dos cometas levaram a Lüdwig Biermann a justificar a existência de uma radiação corpuscular que parte do Sol, ou, em palavras mais simples, um vento solar. Poucos anos mais tarde, em 1958, Eugene Parker explicava a origem do vento solar por meio da expansão de uma Coroa Solar a milhões de graus de temperatura. A hipótese de uma Coroa tão quente foi, naquele momento, uma heresia e demorou alguns anos para ser comprovada experimentalmente. A teoria de Parker é hoje amplamente aceita e as ideias básicas do seu modelo ainda são consideradas corretas.

O vento solar, que pode ser considerado uma extensão da Coroa, longe está de ser uma estrutura homogênea. Medidas realizadas por meio de sondas interplanetárias, mostram que é mais rápido nos pólos (750 km s-1) e também mais estável. Na região do equador solar, o vento é muito irregular e sua velocidade cai para a metade. Neste processo o Sol perde em torno de 4 x 1016 kg ao ano, uma porcentagem muito pequena de seus 2 x 1030 kg. A pressão deste vento se faz sentir além da órbita de Netuno, último planeta do Sistema Solar e a região de sua influênçia é chamada de Heliosfera. As sondas Vogayer 1 e 2 encontram-se no final desta bolha, a uma distância de 100 UA, em uma região chamada de cobertura ou bainha (em inglês heliosheath).
Representação da posição das Voyager 1 e 2 respeito da Heliosfera. No centro da imagem o Sol, cercado por elipses que representam órbitas de alguns dos planetas. A bolha azul é a Heliosfera, externamente encontra-se a bainha (sheath) Em branco/amarelo representa-se a onda de choque provocada pelas partículas interestelares contra a Heliosfera. (Fonte: Jet Propulsion laboratory. Acessado em 14/02/2010.)
A Heliosfera tem um papel crucial no Clima Espacial e Terrestre que só agora estamos começando a compreender. Quanto mais intenso o vento, menos partículas entram no Sistema Planetário. Essas partículas criam os chamados raios cósmicos que, fora da Atmosfera terrestre podem trazer problemas aos equipamentos eletrônicos e aos seres vivos. Sua influência sobre a superfície terrestre é mais especulativa, com teorias que os relacionam com a formação de nuvens, aumentos das chuvas, e variação da temperatura global. Assim, em períodos de baixa atividade solar, quando o vento é menos intenso, espera-se um maior bombardeio de raios cósmicos, aumentando a cobertura de nuvens e diminuindo a temperatura. O contrário poderia acontecer nos períodos de grande atividade solar.

Tempestades, explosões e ejeções
Na atmosfera do Sol acontecem eventos que podemos descrever como explosivos por sua curta duração e grande quantidade de energia liberada. Tecnicamente, no entanto, longe estão de se parecer com as explosões de bombas que conhecemos na Terra. A animação abaixo é um excelente exemplo de uma destas explosões solares.
Animação de uma explosão solar observada no UV, por meio do telescópio Trace em 14 de julho de 2000 e por isso conhecida como Bastille. A série de fotografias, depois reunidas para criar a animação, mostram a Região Ativa de cima, aparecendo como uma sucessão contínua de arcos (arcada) que forma uma espécie de cobra ou letra S. Quando a explosão começa, no centro da arcada, os arcos começam a brilhar na parte central, depois o brilho difunde-se para os lados. No quadro inferior esquerdo vê-se um relogio que marca o tempo real do evento que tem uma duração total de uns 50 minutos.
A primeira explosão foi observada em 1ro de Setembro de 1859 pelo astrônomo britânico Richard Christopher Carrington (1826 - 1875). Carrington estava observando o Sol de forma periódica, e aquele dia teve a sorte de ver em forma direta a maior explosão em luz branca que deve ter acontecido nos últimos 400 anos. Segundo a descrição de Carrington uma pequena porção do conjunto de manchas mais visível daquele dia incrementou sua intensidade em luz branca. O fenômeno como o chama Carrington, durou poucos minutos. Magnetómetros (medidores do campo magnético terrestre) mostraram distúrbios poucos minutos depois, e umas horas mais tarde os mesmos equipamentos observaram uma tempestade magnética. Carrington concluiu que ambos os fenômenos estavam relacionados, acabava de inaugurar um ramo novo nas ciências geofísicas, o ramo das Relações Sol - Terra e deu o primeiro passo no chamado Clima Espacial. Não apenas isto, Carrington ficou surpreso que depois da erupção (outburst o chama ele em inglês) o conjunto de manchas mantinha a mesma disposição, apesar de que evidentemente acabava de ser emitida uma grande quantidade de energia.

O estudo das explosões evoluiu rapidamente, porém em luz branca são poucas as muito intensas já vistas. Hoje em dia entendemos as explosões como um processo no qual o campo magnético reconfigura-se buscando um estado de menor energia potencial. Ao longo do ciclo solar, o campo magnético se retorce, criando zonas muito complexas, onde aparecem as manchas solares, e em geral, as regiões ativas. É nestes locais onde se acumula a energia, que é subitamente liberada durante uma explosão. Podemos pensar o campo magnético como uma borracha. Imaginemos que tomamos essa borracha e a retorcemos, uma, dez, cem vezes. Cada vez será mais difícil. Até que finalmente, a borracha escapa de nossas maos e num movimento muito rápido recupera sua forma original liberando a energia que acumulou. Este sistema é utilizado no aeromodelismo para prover de um motor os pequenos planadores a hélice. Na minha infância eram chamados de "borracha motor".

A energia liberada pelo campo magnético é absorvida pelas partículas do gás: sendo os elétrons as mais leves resultam ser acelerados em maior número, e eles são chamados de elétrons não térmicos ou supra-térmicos. O movimento dos elétrons não térmicos é organizado pelo campo magnético, alguns vão para abaixo (a Fotosfera) outros para acima (a Coroa). Os elétrons acelerados interagem com o gás em repouso (seja com outros elétrons, com átomos ou com íons). Uma enorme quantidade de processos acontece em escalas relativamente curtas de tempo. Cada um destes processos produz um sintoma próprio, uma assinatura como habitualmente a chamamos, que os distingue dos outros. Podemos rastrear cada processo por separado e reconstruir o impacto da erupção magnética, e a partir disto, podemos compreender como foi o processo que acelerou as partículas e, em definitva, o de reorganização do campo magnético. No entanto as coisas não são tão fáceis assim. É como armar um Cubo Mágico de 50 caras e milhares de pecinhas. Sempre mais de uma fica fora do quadro geral. Apesar destes fabulosos problemas, hoje em dia existe um consenso geral que é apresentado no esboço abaixo. (Muito embora sua clara utilidade prática, este tipo de esboços costumam ser chamados de cartoons para não esquecer sua simplicidade em comparação com a complexidade do fenômeno.)
Esboço do modelo padrão de uma explosão solar. No topo do arco magnético, (baixa Coroa), se produz a reconfiguração magnética (reconexão), as partículas são aceleradas (quadrado rosa) e começam a se movimentar pelas linhas magnéticas. Algumas precipitam para os pés do arco, outras adotam um movimento ascendente. Na sua interação com o meio e com o campo magnético vão produzindo diferentes formas de radiação. (Figura obtida de Benz, A., "Flare Observations", Living Rev. Solar Phys. 5, 2008, 1., citado el 16/02/2010)
A variedade de interações, e a quantidade de energia fazem com que seja produzida radiação em todo o espectro eletromagnético. No entanto estas formas de emisão restringem-se a bandas estreitas, em alguns casos trata-se de linhas atômicas, em outros são bandas mais largas, mas em poucos casos a faixa correspondente ao visível é completado. Em outras palavras, dificilmente se forma luz branca, e quando acontece, é em regiões muito pequenas e com uma duração muito breve, de alguns poucos segundos. Por esse motivo a observação de Carrington é tão ímpar.

A quantidade de energia emitida pelo Sol durante uma explosão é entorno de 1023 a 1025 J, equivalente a 1 miléssimo -- 1 décimo da energia total que emite o Sol cada segundo como resultado de suas reações termonucleares. Quer dizer que uma explosão libera uma energia importante. No entanto, como percebeu o próprio Carrington, após uma explosão, poucas mudanças são observadas na configuração magnética. Ou seja, a quantidade de energia liberada é uma porcentagem pequena de toda a armazenada na Região Ativa. Na verdade irá perdendo sua energia em processos mais lentos, difundindo-se devagar até sumir 30 dias depois de se formar. Nesse período terá produzido uma dúzia de explosões grandes e uma quantidade ainda desconhecida de micro- ou nano-explosões, além das Ejeções Coronais de Massa (ver abaixo). Alguns pesquisadores acreditam que nas micro-explosões encontra-se a chave para explicar o aquecimento da Coroa que mencionamos anteriormente. Para terminar com os sintomas e diagnósticos das explosões, estas são observadas por meio de todas as técnicas que a astronomia nos permite: desde rádio telescópios em freqüências que vão desde centenas de MHz até, recentemente, as centenas de GHz , telescópios convencionais com filtros especiais para deixar passar uma faixa estreitíssima de freqüências, até o extremo dos raios UV, Raios-X e os Raios-γ. Ultimamente está sendo incorporada a banda Infravermelha média (dezenas de µm) a distante (centenas de µm). Sobre as conseqüências das explosões, sobre todo para a vida na Terra, falaremos abaixo.

Outra forma violenta de emissão de energia é a chamada Ejeção Coronal de Massa (ECM). Neste caso uma porção importante do gás é expulsa da Coroa (dali o nome) e entra no espaço interplanetário. Junto com a energia cinética, o gás leva também o campo magnético desprendido. Uma definição mais precisa de uma ECM é Uma alteração visível da estrutura da Coroa que acontece em alguns minutos a horas e que é vista junto com a aparição de uma estrutura brilhante e branca num coronógrafo (Hundahausen et al, 1984). Na animação abaixo podemos ver uma ECM típica observada em 27 de Fevereiro de 2000 pelo coronógrafo LASCO a bordo do satélite SoHO.
Animação que mostra uma Ejeção Coronal de Massa, criada por meio de fotografias obtidas pelo coronógrafo LASCO a bordo do satélite SoHO em 27 de Fevereiro de 2000. A animação cobre um período de 24 horas.
Este fenômeno libera entre 1010 e 1013 kg de matéria e entre 1020 e 1026 J de energia. A relação entre ECM e explosões é altamente debatida, as vezes acontecem ECMs junto com explosões, as vezes cada um acontece em um momento diferente. Como no caso das explosões, a maior parte das perguntas sobre ECMs está ainda aberta: sabemos que a energia liberada provem também da reconfiguração magnética, mas não sabemos porque algumas vezes ocorrem explosões, outras vezes ECMs e ainda em outros casos ambas.

Influência da Atividade Solar na Terra: Clima Espacial


Agora que contamos com uma descrição das diferentes formas em que o Sol mostra sua atividade, queremos ver de qual forma ela afeta à Terra, e particularmente, à atividade humana. Para poder falar deste tema devemos introduzir as ideais básicas do que chamamos Magnetosfera, que é a projeção no espaço do campo magnético terrestre.

Nem todo planeta possui campo magnético. A Terra é um caso particular. Seu campo magnético tem uma intensidade de entre 0,3 G no Equador (Gauss, abreviado G é a medida do campo magnético) e 0,5 G nos pólos, e tem distribuição bipolar, como se fosse um ímã de geladeira. É interessante ressaltar que este ímã tem seu pólo Sul apontando para o pólo Norte geográfico e o pólo Norte para o Sul geográfico. Desta forma o Pólo Norte de uma bússola se vê atraído para o Pólo Sul Magnético (e chamamos sua direção de Pólo Norte) e o Pólo Sul da bússola para o Pólo Norte magnético (e o chamamos de Pólo Sul). Embora pareceria ser uma contradição, todo se trata de convenções (que se extendem ao ámbito sociológico). Na Figura abaixo mostramos uma representação deste campo magnético que chamaremos próximo.

Esquema do Campo Magnético Terrestre, mostrando sua configuração bipolar. (Fonte: Wikimedia Commons, acessado em 28/02/2010)


O forte vento solar com densidade de 4 partículas cm-3 e velocidade média de 400 km s-1 altera a forma do campo magnético terrestre. O lado que enfrenta o Sol vê reduzido o seu tamanho e seu raio é modulado pelos distúrbios desprendidos do Sol. Em momentos de calma, a chamada magnetopausa, zona onde a pressão magnética do Sol iguala a pressão magnética da Terra, se encontra a 10 RT = 63.700 km. No entanto, durante tempestades magnéticas a distância pode diminuir até menos de 30.000 km. A região oposta ao Sol é esticada, extendendo-se além da órbita da Lua (380.000 km) Na magnetocauda podem acontecer interessantes fenômenos que dão origem às Auroras Polares.

Esquema da Magnetosfera ou Campo Magnético Terrestre distante. A forma bipolar é perdida pela interação com o Campo Magnético e o Vento Solar (Heliosfera). Tradução. Bow Shock: frente de choque. Polar Cusp: Vértice Polar. Incoming solar wind Particles: partículas entrantes do vento solar. Deflected solar wind Particles: partículas desviadas do vento solar. Earth Atmosphere: atmosfera terrestre. Magnetosheath: Magnetobainha. Neutral Sheet: folha neutra. Plasma Sheet: folha de plasma. Magnetotail: Magnetocauda. (Fonte: Wikimedia Commons, acessado em 28/02/2010)


Edmund Halley, descobridor do cometa de seu nome, foi, em 1716, o primeiro em propor a hipótese de que as auroras são uma consequência da interação de partículas com o campo magnético terrestre. Depois seriam Anders Celsius e Olav Hiorter em 1747 os que relacionariam as oscilações de uma bússola com auroras, o que revelava a natureza magnética do fenômeno. E finalmente Carrington mostrou a variação solar de 11 anos no campo magnético terrestre e as auroras.

Hoje em dia o estudo da interação da Heliosfera com a Magnetosfera e suas consequências para a vida moderna é um campo cada vez mais importante que recebe ingentes recursos dos governos. É fácil compreender o porqué, quando percebemos que as alterações no espaço exterior próximo são uma consequência desta interação e contamos a grande quantidade de satélites artificiais que servem à navegação, a segurança e o monitoreamento. Uma vez que acontece um evento explosivo no Sol, seja uma explosão ou uma Ejeção Coronal de Massa , em 8 minutos chega a radiação eletromagnética. Vinte minutos depois, as partículas carregadas mais energéticas. Por último, no caso de uma ECM a nuvem ejetada, 80 horas mais tarde. Todos estes valores são médias (exceto para a radiação eletromagnética) já que dependem fortemente da energia de cada um. A animação abaixo exemplifica o deslocamento de uma ECM e sua interação com a Magnetosfera.
Animação que representa uma Ejeção Coronal de Massa (ECM) no deslocamento através do meio interplanetário e sua interação com a Magnetosfera. No choque inicial, algumas linhas de campo são desviadas para atrás, onde reconetam com a magnetocauda. A energia liberada na reconexão acelera partículas que caem na Terra criando as auroras. (Fonte: NASA)


Embora as auroras sejam os fenômenos mais conhecidos, elas são inofensivas para a vida, e a preocupação está na proteção de equipamentos em órbita. As partículas carregadas (radiação ionizante) são capazes de produzir danos nos circuitos eletrônicos que podem levar, desde um mal funcionamiento momentâneo à inutilização permanente. Dependendo de qual equipamento fique danificado poderá ocorrer a inutilização total do satélite. Uma proteção efetiva contra estas partículas significaria uma blindagem pesada a um custo em órbita proibitivo. Temos que ter em conta, por outro lado, que a grande maioria dos satélites se localiza dentro da Magnetosfera (< 10 RT) que lhes dá uma certa proteção. Apesar disto o aumento de partículas na área onde se encontra o satélite, muda as características do meio aumentando o atrito, fazendo com que perca energia e em consequência encurtandao sua vida. Está claro que mais risco têm os astronautas, principalmente durante uma excursão espacial onde são alvo de radiação α, β ou γ.

Quando acontece uma tempestade magnética, gerando grandes variações do campo magnético terrestre, também mudam as camadas mais próximas da atmosfera pelo ingresso maior de partículas. Como as comunicações dependem da transmissão por ou através destas camadas, os distúrbios são muito indessejáveis. Uma lenda urbana (nunca li sua confirmação oficial) diz que durante a Primeira Guerra do Golfo, (1990, 1991) as comunicações entre o Pentágono e Iraque, se cortaram durante uma tempestade magnética. Os militares norte-americanos teriam ficado muito irritados e por isso aumentaram suas contribuições para a pesquisa em relações Sol - Terra. Verdadeira ou não, a história é verossímil. Hoje em dia o risco aumentou porque a constelação de satélites do Sistema de Posicionamento Global (GPS) deve permanecer em contato com a Terra permanentemente para não perder suas referências e para brindar seus dados às estações receptoras. As mudanças nas camadas mais altas da atmosfera terrestre (ionosfera) criam desde atrasos na comunicação até bloqueios momentâneos. Eu pude comprová-lo em novembro de 2003 durante um dos períodos de maior atividade solar. Nossos telescópios usam GPS para ter uma boa base temporal. Analisando registros de nossos dados achei muitos períodos em que o tempo dá um salto para atrás de alguns segundos, para, momentos depois, se corrigir dando um salto para frente. O que para nós não deixa de ser uma curiosidade, para uma nave tripulada pode ser a diferença entre se despedaçar na pista ou pousar suavemente. Por esse motivo os aviões levam sistemas redundantes de posicionamento.

O aumento de radiação ionizante advindo de um evento explosivo solar tem reflexos na estratosfera, onde se podem produzir componentes incomuns de óxido de nitrogênio (NOx) que têm conseqüências a longo prazo para a camada de Ozônio. Especula-se também que as partículas ionizadas seriam capazes de favorecer a formação de núvens e gelo. Mesmo equipamentos na Terra poderiam sofrer danos importantes por causa destas partículas. Os alvos mais conhecidos são as longas linhas de alta tensão, transformadores e gasodutos. As grandes redes de eletricidade sofrem com as correntes induzidas pelas correntes elétricas geradas pela entrada de partículas carregadas na atmosfera, o que as pode levar a blecautes generalizados. Alguns são muito conhecidos, como o da provîncia de Quebec em 1989. No caso de dutos baixo terra, as correntes induzidas aumentam sua corrosão diminuindo o tempo de vida. Foram os telegrafistas, há 150 anos, os primeiros em perceber as influências negativas das tempestades magnéticas. Em qualquer caso, estas consequências foram relatadas unicamente em regiões próximas aos pólos.

Desde que Joe Allen, trabalhando para a NASA, usou pela primeira vez o termo Clima Espacial (Space Weather), existe uma inicitiva para poder prever a aparição e intensidade de tempestades magnéticas. Não é tão simples como ver se acontece uma ECM porque algumas não produzem efeito importante. Unicamente com medições in situ somos capazes de avaliar seus riscos, mas os nossos satélites de alerta estão a apenas 40 minutos de distância da chegada de uma destas nuvens, o que não é muito útil. Muito foi investido para desenvolver melhores instrumentos de observação, e modelos teóricos, para sermos capazes de prever uma tempestade no momento de acontecer uma ECM. Seria ainda melhor poder prever uma ECM, algo que ainda é impossível.

Após 50 anos de experiência espacial, estamos em condição de dizer que a atividade solar é capaz de gerar complicações a nossos sistemas de comunicações, de segurança e de transporte de energia. Podem até aumentar os riscos à vida no espaço. Mas resulta altamente improvável acontecer uma catástrofe global. Nem sequer parece muito provável uma catástrofe que desligue todos os satélites artificiais simultaneamente. Especulou-se que alguma das extinções em massa que aconteceram na Terra poderia ter sido produzida por uma atividade extremamente anômala do Sol. Não vejo, no entanto, indícios suficientes para sustentar esta teoria. Existem sim algumas evidências de um fenômeno semelhante com origem em evento explosivo estelar: uma erupção de raios gama poderia estar relacionada com a extinção do Cambriano. Em qualquer caso continuo sem ver motivos de preocupação para a população em geral.

Uma Bibliografia Básica

Se o leitor busca mais informações sobre o Sol, pode acha-las no seguinte livro de divulgação científica:
Roque da Silva, A.,Nossa estrela: O Sol, Ed. Livraria da Física, Brasil, (2006), ISBN:8588325659

A seguir damos uma lista de livros e artigos que foram consultados para escrever este capítulo.

Haigh, J.D.,The Sun and the Earth's Climate, Living Reviews in Solar Physics 4, (2007), 2. URL (acessado em 07/03/2010): http://www.livingreviews.org/lrsp-2007-2
Hoyt, V.D., Schatten, K.H.,The Role of the Sun in Climate Change, Ed. Oxford University Press, ISBN:0195094131 (1997)
Pulkinnen, T.,Space Weather, Terrestrial Perspective, Living Reviews in Solar Physics 4, (2007), 1. URL (acessado em 07/03/2010): http://www.livingreviews.org/lrsp-2007-1
Stix, M., The Sun: an introduction, Ed. Springer, ISBN:3540207414 (2004)



Guillermo Giménez de Castro, sob Licença Creative Commons. Última revisão: 21/08/2011


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